quarta-feira, 31 de agosto de 2011

TRÊS DIAS PARA VER





Uma mensagem de Helen Keller







O que faria se tivesse apenas três dias de visão?

“Várias vezes pensei que seria uma bênção se todo ser humano, de repente, ficasse cego e surdo por alguns dias no princípio da vida adulta. As trevas o fariam apreciar mais a visão e o silêncio lhe ensinaria as alegrias do som. De vez em quando, testo os meus amigos que enxergam para descobrir o que eles vêem. Há pouco tempo perguntei a uma amiga que voltava de um longo passeio pelo bosque o que ela observara. “Nada de especial”, foi a resposta. Como é possível, pensei, caminhar durante uma hora pelos bosques e não ver nada digno de nota? Eu, que não posso ver, apenas pelo tacto encontro centenas de objectos que me interessam. Se consigo ter tanto prazer com um simples toque, quanta beleza poderia ser revelada pela visão! E imaginei o que mais gostaria de ver se pudesse enxergar, digamos, por apenas três dias.
No primeiro dia, gostaria de ver as pessoas cuja bondade e companhias fizeram a minha vida valer a pena. Eu reuniria todos os meus amigos queridos e olharia os seus rostos por muito tempo, imprimindo na minha mente as provas exteriores da beleza que existe dentro deles. Também fixaria os olhos no rosto de um bebé, para poder ter a visão da beleza ansiosa e inocente que precede a consciência individual dos conflitos que a vida apresenta. E gostaria de olhar nos olhos fiéis e confiantes dos meus cães. À tarde, daria um longo passeio pela floresta, intoxicando os meus olhos com belezas da natureza. E rezaria pela glória de um pôr-do-sol colorido. Creio que nessa noite não conseguiria dormir.
No dia seguinte, eu me levantaria ao amanhecer para assistir ao empolgante milagre da noite se transformando em dia. Contemplaria assombrada o magnífico panorama de luz com que o Sol desperta a Terra adormecida.
Como gostaria de ver o desfile do progresso do homem, visitaria os museus. Assim, nesse meu segundo dia, tentaria sondar a alma do homem por meio da sua arte. A noite do meu segundo dia seria passada no teatro ou no cinema. Não posso desfrutar da beleza do movimento rítmico senão numa esfera restrita ao toque de minhas mãos. Só posso imaginar vagamente a graça de uma bailarina. Imagino que o movimento cadenciado seja um dos espectáculos mais agradáveis do mundo.
Na manhã seguinte, mais uma vez receberia a aurora. Hoje, o terceiro dia, passarei no mundo do trabalho, nos ambientes dos homens que tratam do negócio da vida. A cidade é o meu destino. Acho que na noite desse último dia vou voltar depressa a um teatro e ver uma peça cómica, para poder apreciar as implicações da comédia no espírito humano.
À meia-noite, uma escuridão permanente outra vez se cerraria sobre mim.
Talvez este resumo não se adapte ao programa que você faria se soubesse que estava prestes a perder a visão. Mas sei que, se encarasse esse destino, usaria os seus olhos como nunca usara antes. Tudo quanto visse lhe pareceria novo. Seus olhos tocariam e abraçariam cada objecto que surgisse no seu campo visual. Então, finalmente, você veria de verdade e um novo mundo de beleza se abriria para você.”

Publicado no Reader’s Digest (Selecções)


Helen Keller

Helen Keller (1880-1968), devido a uma doença diagnosticada na época como febre cerebral, ficou cega, surda e muda em bebé. No entanto, apenas com o sentido do tacto e com uma perseverança inigualável, Helen Keller aprendeu a ler e a escrever pelo método Braille, com a sua perceptora Anne Sullivan. Mais tarde, chegou a falar por imitação das vibrações da garganta da sua perceptora, as quais captava com a ponta dos dedos.
Com uma inteligência excepcional, Helen Keller foi escritora, filósofa e conferencista. Ao lado de Anne Sullivan, percorreu vários países do mundo, promovendo campanhas para melhorar a situação das pessoas com deficiência visual e auditiva. É considerada uma mulher excepcional e uma das grandes heroínas do mundo.